Uma distribuidora americana independente, Olive Films, foi quem teve a iniciativa de distribuir alguns filmes de Jerry Lewis em DVD e Blu-ray licenciados a Paramount.
O que pouca gente sabe é que Jerry é dono da maior parte dos direitos de seus filmes e há muitos anos tem tido o cuidado de preservá-los. Na verdade, é um de seus sete filhos que cuida disso e todos seus trabalhos estão em excelentes condições técnicas.
O pacote da Olive traz Geisha Boy (O Rei dos Mágicos, 58), seu filme menos típico Boeing Boeing (Idem, 65, em que ele e Tony Curtis trocaram de papéis na última hora e Jerry faz o straight man).
Eu comprei os três outros do pacote que eram mais raros e não chegaram a sair no Brasil em DVD: O Detetive Mixuruca (It´s Only Money, 62, que nunca é reprisado porque é em preto e branco), Bancando a Ama Seca (Rock-A-Bye Baby, 58) e Errado Pra Cachorro (Who´s Minding the Store?, 63), todos eles dirigidos pelo mestre de Jerry, o diretor Frank Tashlin (1913-1972).
Vamos comentar os três filmes, mas antes falar de Jerry e sua contribuição para o cinema.
Jerry Lewis (1926)
Não é difícil explicar o sucesso de Jerry Lewis. Basta não filosofar muito. O fato é que ele é simplesmente muito engraçado. Sempre foi e ainda continua sendo.
Embora tenha gente que, a princípio, se assuste com o personagem que ele fez, um tipo meio bobo, desengonçado, parecendo mesmo um deficiente. Por isso mesmo que ele dedicou a vida inteira a ajudar os que sofrem de paralisia cerebral, sentindo–se culpado.
Mas não esqueçam que era um tipo, papel, personagem. Conforme demonstrou mais tarde em outros filmes podia ser também um convincente ator dramático.
O que poucos sabem é que Jerry foi aprendendo cinema a ponto de se tornar um grande diretor de comédias (fez algumas até sem participar como ator), chegando a lecionar cinema em escolas e fazer invenções.
Foi ele quem criou o chamado “vídeo assist”, que hoje é amplamente utilizado pela indústria, que é aquele vídeo pelo qual o diretor acompanha o que está sendo rodado, já com o enquadramento, certo, mostrando aquilo que a câmera vê. Também chamado de “vídeo village”.
Era assim que ele conseguia se dirigir a si mesmo, revendo o que foi gravado. Nascido Joseph Levitch, em 16 de março de 1926, em Newark, em Nova Jersey. Seu pai havia sido ator de vaudeville, Danny Lewis (1902-80), e chegou a fazer pontas em cinco filmes (o único de Jerry, Bancando a Ama-Seca).
Danny se apresentava principalmente em festas da colônia judaica. Reza a lenda que largou a high school porque brigou com um professor que fez comentários antissemitas e foi direto trabalhar em shows.
Em 1946, conheceu seu parceiro ideal, um cantor chamado Dean Martin (1917-95), com quem passou a fazer dupla em shows e na TV. No auge de seu sucesso, os anos 50, a dupla Dean Martin e Jerry Lewis foi imbatível, campeões absolutos de bilheteria, quando foram contratados por Hal Wallis para fazer filmes na Paramount.
Wallis os viu numa casa noturna de Hollywood e resolveu contratá-los por cinco anos, ganhando cinquenta mil dólares no primeiro ano e depois o valor iria crescendo até atingir os 175 mil.
Resolveu lançá-los como coadjuvantes em duas fitas ao lado da comediante Marie Wilson, mas o sucesso foi tão grande que logo eles se tornariam astros absolutos.
Foi a primeira fita da dupla, Amigo da Onça/My Friend Irma, de 49, dirigida por George Marshall. O sucesso foi imediato e tão grande que em 51 eles passaram a “carregar” por assim dizer seus próprios filmes, em geral, refilmagens de antigos sucessos da Paramount adaptados para o estilo de Martin e Lewis, Dean cantava algumas canções e paquerava a mocinha enquanto Jerry fazia o tipo maluquinho e trapalhão, com todas as caretas e trejeitos que iriam marcar seu personagem. E que o público adorava.
Durante os seis anos que trabalharam no cinema nunca foram grandes amigos. Eram até rivais e nos últimos filmes nem sequer trocavam mais palavras. Era tudo fingimento para a câmera. Curiosamente quando se separaram ambos tiveram carreiras bem sucedidas, mas nunca mais a mesma unanimidade.
O fato é que Dean tinha ciúmes que Jerry aparecia mais, era mais reconhecido e um dia simplesmente se cansou disso e pediu a separação. Só voltaram a se falar quando Dean já estava muito doente e no fim da vida (era alcoólatra e grande amigo de Frank Sinatra). Foi tão importante para Jerry que chegou a escrever um livro a respeito.
Jerry sonhava em ser também diretor e começou a interferir demais nas fitas. Ele aprenderia seu métier trabalhando com diretores como Frank Tashlin e teria grande sucesso como diretor, realizando filmes quase sem diálogos, muito humor visual e seria descoberto pela crítica francesa que o celebraria como um gênio.
Sua obra-prima seria O Professor Aloprado, de 63, que é muito melhor que sua boa refilmagem com Eddie Murphy. E a grande magoa é que nunca foi respeitado por Hollywood e a crítica americana nunca reconheceu seu valor, debochando dele até hoje. Mesmo quando ganhou o prêmio da Academia foi por seu incrível trabalho filantrópico.
Deixa como legado suas comédias e alguns momentos inesquecíveis da difícil arte de fazer rir.
Jerry ao vivo
Sou da geração que viu Jerry no cinema ainda, todos os filmes de seu estrelato com exceção do primeiríssimo. Mas duas de minhas maiores emoções foram assisti-lo ao vivo.
Primeiro no palco da Broadway, fazendo o papel do Diabo (imagem só) ganhando um salário recorde por sinal, no musical Damn Yankees, onde cantava, dançava e fazia maldades (a plateia vinha abaixo quando ele fazia umas gracinhas só para lembrar o velho Jerry). Estava em plena forma e ficou alguns anos com o show (ele também sapateava e cantava apesar da idade). Foi muito emocionante, acho que até chorei de feliz.
Depois o revi numa entrevista coletiva no Festival de Veneza que ele deu de bermudas fazendo todas as gracinhas a que tinha direito (chegaram a me fotografar rindo, de puro prazer).
Achei interessante encontrar num velho artigo do Variety numa edição especial sobre o aniversário da Paramount, um artigo sobre Jerry, onde se comentava que ele fez uma fortuna para o estúdio. Entre 49 e 65 foi ouro puro para eles.
E que hoje sua influência se sente em cômicos como Adam Sandler, Jim Carrey, Roberto Benignini e Billy Crystal. E olhem alguns fatos notáveis:
a) Durante os 16 anos que Jerry esteve na Paramount, ele estrelou 35 filmes. Quando separou-se de Dean Martin, foi contratado por dez milhões de dólares nos próximos sete anos. O maior preço já pago para um ator até então.
b) O modelo para a carreira de Jerry foi Charles Chaplin. Ele também quis ser o autor total de seus filmes, tendo sido o primeiro comediante americano a dirigir a si próprio no cinema sonoro chegando ao cúmulo de financiar uma fita, The Bellboy - O Mensageiro Trapalhão com seu próprio dinheiro.
c) Com frequência fez em seus filmes papéis múltiplos, talvez porque na vida era um chamado “control freak”, gostava de controlar tudo e todos. Particularmente em seus longas.
d) Era um autodidata, aprendeu tudo sozinho, sobre lente, luzes, câmeras. E também controlava tudo sobre a renda de suas fitas.
e) Todos os seus filmes para a Paramount foram sucesso, renderam mais de três milhões de dólares. Mais que Elvis Presley. O Marujo Foi na Onda, 51, por exemplo, rendeu mais do que outros filmes do mesmo ano como Cantando na Chuva e Uma Aventura na África.
Diante disso, a Paramount não hesitou em permitir que ele derrubasse as paredes de dois estúdios para poder construir o set de O Terror das Mulheres enquanto os filmes de Jerry com Dean, eram, em geral, reciclagem de antigos sucessos do estúdio, os filmes dele sozinho eram ousados e até experimentais.
f) O mestre de Jerry no aprendizado como diretor foi o diretor Frank Tashlin, com quem trabalhou várias vezes e de quem tirou o gosto pelo surreal.
A cópia em Blu-ray
Como foram preservadas com cuidado, as cópias estão excelentes inclusive a em preto e branco. A melhor certamente é a de Bancando a Ama-Seca por uma razão simples que já expliquei aqui: ele foi rodado em Vistavision, ou seja, um sistema de Widescreen da Paramount que melhorava muito a nitidez, principalmente no que sucede num segundo plano.
Como ainda por cima é musical com várias canções, a qualidade então é esplendida. Mas foi em Errado pra Cachorro que o Blu-ray me fez ver um detalhe: Dá para se notar as mãos de Jerry e perceber que ele tem umas unhas pintadas (de neutro) e feitas por manicure, coisa comum na época, mas que nada tem a ver com o personagem rústico que ele faz!
Os filmes
Bancando a Ama-Seca (Rock-A- Bye-Baby)
EUA, 58. Direção de Frank Tashlin. Roteiro de Tashlin baseado em script de Preston Sturges. 103min. Com Jerry Lewis, Marilyn Maxwell, Baccaloni, Reginald Gardiner, James Gleason, Hans Conried, Ida Moore e apresentando Connie Stevens. Paramount.
Foi apenas o terceiro filme que Jerry fez sozinho e o primeiro a cores (sozinho). Em dois anos também estrearia na direção. É uma adaptação de uma obra-prima de Preston Sturges com Betty Hutton, Papai por Acaso (The Miracle of Morgan´s Creek, 44).
Em que uma moça ficava grávida, mas como estava bêbada não sabia quem era o pai. Aqui quem faz isso é uma estrela de cinema (Maxwell) que precisa esconder isso dos fãs e manda as crianças para seu maior fã e amigo da família (a irmã dela é apaixonada por ele), que no caso é Jerry.
O problema é que ela tem trigêmeos e o herói tem que cuidar dos três bebês. São seis canções de Harry Warren e Sammy Cahn (uma delas, a título inclusive já aparece nos letreiros, muito bem encenada). E outra Jerry tem em dueto com seu filho Gary Lewis, que, naquela época, também chegou a fazer sucesso com sua banda Gary Lewis and the Playboys).
Foi a estreia no cinema de Connie Stevens, também cantora, que depois viraria estrela na Warner, se casaria com Eddie Fisher (com quem teria duas filhas atrizes, Tricia e Joely Fisher).
O curioso é que foi todo rodado em estúdio (aliás, os três filmes têm isso em comum), já que em sets fechados é muito mais fácil fazer comédia e repetir takes, sem interferência.
Inclusive a praça principal que aparece aqui na cidadezinha é a mesma de De Volta para o Futuro. A marca do diretor (que fez sete filmes com Jerry), que veio dos quadrinhos e principalmente do desenho animado é que ele constrói gags, usa humor do mesmo tipo que em cartoons, sem medo de cair no absurdo ou se quiserem surrealismo.
Sempre tem momentos de estrelato para Jerry brilhar, passando por problemas, por exemplo, quando conserta as antenas de TV de uma vizinha. Ou então não consegue controlar uma mangueira de água com jato muito forte. Ou então, e noutro momento, satiriza a programação da TV (com Jerry fazendo os diferentes tipos). Mas este é um filme muito doce, com músicas bem entrosadas e certamente um dos melhores do comediante.
Errado pra Cachorro (Who´s Minding the Store)
EUA, 1963.90 min. Direção de Frank Tashlin. Roteiro de Tashlin, Harry Nugent. Com Jerry Lewis, Jill St John, Ray Walston, Agnes Moorehead, Nancy Kulp, Kathleen Freeman e Isobel Elsom. Paramount.
No Brasil, sempre arranjavam um jeito de inventarem títulos criativos com trocadilhos ou gírias que envelheceram. Este daqui se explica porque Jerry trabalha levando cachorros para passear, situação que se repete ao final.
Ele é um sujeito que deseja vencer por sua própria conta e que não pode ficar sabendo que sua namorada (que o ama), Jill StJohn (atual mulher de Robert Wagner) é filha de milionários que são donos de um grande magazine onde vai trabalhar.
Este é um dos raros filmes em que a grande Agnes -mãe da feiticeira da TV- tem um papel mais substancial com a megera que manda no lugar auxiliado pelo gerente (Ray Walston de Ao Sul do Pacífico e Meu Marciano Favorito).
Aqui Jerry basicamente provoca desastres em que ele é sempre a maior vítima, como quando vai tentar controlar uma liquidação, o aspirador que foge de controle e assim por diante. Mas também usa a cabeça quando tem que pintar um lugar inacessível onde colocam a bandeira!
Tudo no estilo de comics misturado com desenho animado, usando muito bem um policial de trânsito como a grande vítima de tudo. Divertido, mas nada especial.
Detetive Mixuruca (It´s Only Money)
EUA, 62. Direção de Frank Tashlin. Roteiro de John Fenton Murray. Com Jerry Lewis, Joan O´Brien, Zachary Scott, Jack Weston, Jesse White, Mae Questel, Del Moore e Ted de Corsia. Paramount. 83 min.
Espero que saiba que "mixuruca" quer dizer pobrezinho, variante de Mixo, que ao menos ainda é usado hoje em dia. Este é o mais pobre realmente da série, feito em preto e branco em estúdio (mas a imagem está legal), com sátira à modernidade e invenções robóticas que envelheceram muito.
Jerry trabalha consertando televisões, mas quer ser ajudante de seu cliente detetive particular. O filme é notável por dar chance a coadjuvantes famosos da época, de que poucos se lembram, no caso aqui, de Jesse White.
Outra ainda mais querida é Mae Questel, que faz a milionária que procura o filho perdido. Mae foi a voz original dos desenhos Betty Boop e Olivia Palito!
Também é notável a última aparição no cinema de um famoso vilão da Warner Zachary Scott (1914-65), que já estava sofrendo de câncer no cérebro aqui, mas faz umas boas expressões. E Jack Weston como o mordomo bandido.
Na trama, Jerry foi criado em orfanato e descobre que é filho da milionária (a bela Joan O´Brien faz a enfermeira que é apaixonada por ele). Joan ainda viva, fez filmes como O Álamo, Anáguas a Bordo, Loiras Morenas e Ruivas, casou-se quatro vezes, foi crooner de Harry James e depois bem sucedida executiva para a rede Hilton de hotéis.
Não chega a ser noir, mas satiriza fitas policiais B de detetive particular, com fugas, perseguições e criativas gags visuais.
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